Foto minha
Ao ouvir uma conversa entre os meus netos sobre as gulomisses da Páscoa, ovos e amêndoas de chocolate!
Recuei no tempo e vieram as recordações de como foi a minha Páscoa desde os meus oito anos idade em que a minha mãe me abandonou até aos treze, altura em que deixei a Aldeia onde nasci.
Pois bem, umas semanas antes da Páscoa o meu pai dava-me a tarefa de ir ao campo apanhar junco verde, cortava-o com uma foice, fazia feixes que transportava à cabeça até a casa, colocava-o na eira a secar, que demorava uns dias, enquanto isso preparava tábuas, pedras e cordel, objectos que necessitava para fazer os teares, quando o junco já seco, os serões eram preenchidos a fazer as esteiras à luz de um candeeiro a petróleo pendurado num barrote da alpendrada.
Na semana da Páscoa era uma correria tremenda, altura em que se fazia uma limpeza geral à casa, retirar todos os quadros com imagens de Santos e um ou outro com fotografias da família, que existiam pendurados em pregos espetados nas paredes, assim como o mosquiteiro onde se guardava o peixe frito.
Da cantareira retirar e lavar todas as louças que normalmente não eram usadas durante o ano, caiar as paredes com cal (não se usavam tintas) esfregar o chão de tábuas com sabão amarelo, despejar os colchões, lavá-los e voltar a enche-los com camisas de milho (palha das espigas do milho) voltar a colocar tudo no sítio, e colocar as esteiras novas.
Nesse tempo o dia Santo não era à sexta feira como hoje, era quinta de tarde e sexta de manhã, altura em que não se podia fazer nada daquilo que falei, também não se podia lavar roupa, nem cozer broa, diziam os antigos que se o fizesse-mos estas coisas apareciam manchas com o sangue de Cristo, então era uma tarde e uma manhã de total descanso, continuando as tarefas na sexta de tarde e no sábado, uma das últimas era ir de novo ao campo apanhar mais junco bem verdinho para o colocar no chão do pátio e também em frente do portão para receber o padre no Domingo de Páscoa.
E era nesse Domingo o único dia do ano em que eu estreava roupa e uns tamancos às flores, apenas para ir à missa nesse e nos outros domingos, (o resto do ano vestia a roupa que tinha muita dela remendada e descalça fosse Verão ou Inverno) depois da missa vinha à nossa casa o Padre acompanhado pelo sacristão e um outro senhor, trazia na mão uma saca de pano com amêndoas muito pequeninas, mas muito saborosas, deixava umas poucas num prato em cima da mesa da sala de onde retirava o folar (dinheiro) que o meu pai dava (não muito, ele era forreta nestas coisas) o padre benzia a casa e ia embora, ao sair do portão o senhor que o acompanhava deitava um foguete, ou dois dependia do folar que lhe era dado, assim era a tradição.
Seguia-se a minha ida a casa dos padrinhos, levava comigo um ramo de louro, ou de oliveira para a minha madrinha, o folar que me davam era sempre igual, tanto na madrinha como no padrinho, levavam-me à sala deles onde existia uma mesa com uma toalha branca pão e pratos com tremoços e azeitonas, para os afilhados, comia o que quisesse (acho que nunca recusei, era dia de festa e não podia dar-me a esse luxo) depois davam-me um pão com um ovo e uma mão cheia de amêndoas pequeninas (iguais às que o padre deixava) vinha embora, uma visita muito rápida.
E foram assim as minhas Páscoas na minha Aldeia.
Para todos vós desejo-vos uma Páscoa feliz!